Este blog tem o objetivo de mostrar que defensores de animais são contrários ao racismo e quaisquer formas de preconceito e discriminação.

terça-feira, 30 de outubro de 2007

O caso "Holocausto Animal" vs. "ABC sem Racismo", por Renata Octaviani

[entre colchetes explanações do blog]

Em 21 de outubro de 2007 a ONG "ABC sem Racismo" ingressou com representação perante o Ministério Público do Estado de São Paulo alegando que o site Holocausto Animal, por meio de seu representante Fábio Paiva, havia ofendido a memória de negros e judeus com a elaboração de dois cartazes de conscientização contra o especismo.
Por meio do site Afropress, a ONG manifestou-se alegando que se tratavam de "comparações bizarras e atentatórias à memória dos negros exibindo a imagem conhecida da Escrava Anastácia, personagem lendária e considerada santa pela devoção popular brasileira, colocada ao lado de cães com focinheiras."
Mas não somente as fotos foram entendidas como ofensivas como a ONG ampliou a [sua]interpretação de tal maneira que entendeu como prática de crime de apologia à escravidão e ao holocausto.
O que começou com uma troca de e-mails entre ativistas pelos animais e a ONG acabou virando uma troca de farpas, incluindo até mesmo defensores dos animais dando razão para a ABC sem Racismo.
Inicialmente, comentários foram enviados explicando tratar-se de um paralelo sem nenhuma conotação racista. Sim, algumas pessoas se excederam, mas sei de pelo menos um caso em que esse excesso foi corrigido em e-mail posterior e substituído por argumentos, sem que a ONG considerasse justamente essa correção, publicando apenas a primeira mensagem. Ainda, tive acesso a uma grande quantidade de textos enviados por e-mail, respeitosos e bem fundamentados, e que não tiveram qualquer resposta ou publicação.
Ainda, a ONG publicou resposta padrão em todos os comentários contrários à representação, classificando como "disparatadas teses que pretendem colocar no mesmo patamar animais irracionais e seres humanos.", o que eu também considero ofensivo à filosofia do grupo (e, por isso, pedi um direito de resposta que foi sumariamente ignorado).
Entre as mensagens de apoio, há até mesmo quem tente equiparar a situação a preconceito contra religiões de origem africana por praticarem sacrifícios com animais (sim, defensores dos animais são contrários a sacrifícios, mas ir contra um ritual específico não pode ser entendido como preconceito contra a religião ou tradição como um todo).
A história culminou com a publicação do editorial "A fúria vegana e o nosso direito", acusando a ativista Gabriela Toledo, presidente do PEA, de envio de um e-mail com ameaças concretas. O PEA, entretanto, negou veementemente a autoria desse comentário (e isso também não consta no site da entidade).
Por tudo o que acompanhei, a ONG peca também por sua parcialidade e ocultação de todos os fatos. O fato é que hoje se formaram basicamente três facções:
a) Os defensores dos animais, alegando que não existe ofensa
b) Os integrantes da ABC sem Racismo e outras entidades que lutam contra o preconceito, alegando que há ofensa
c) Defensores dos animais alegando que pode haver ofensa mas não apologia à escravidão e ao holocausto [portanto, não justificam a denúncia feita ao MP].
O assunto povoa tópicos do Orkut, foram criadas cartas abertas, blogs de apoio e até mesmo um desagravo público em favor de Fábio Paiva. Enquanto isso, a promotoria ainda não se manifestou sobre o seguimento ou não da representação (ou mesmo se é ou não competente para a análise das peças veiculadas via internet).
Finalmente, o criador do site Holocausto Animal tentou se retratar e enviou um e-mail explicando que não havia qualquer intenção de ofensa e inclusive retirando os links para as imagens das páginas. Esse e-mail foi publicado - com o que eu entendi como irônico - título destacado em página oficial "Fogo amigo?" (com interrogação), sem direito a qualquer comentário adicional por parte da ONG.
Eu mesma sou descendente de negros (embora eu me pergunte: e quem não é?). Entretanto, sou vegetariana e ativista pelos direitos dos animais, conhecendo há tempos o trabalho do Fábio Paiva e inclusive referidas imagens que agora causam tanta polêmica. Infelizmente, entendo que as imagens foram tiradas do contexto ([eu, Renata Octaviani,] peço sua paciência e atenção para que leia esse artigo até o fim antes de tirar suas próprias conclusões) e isso pode trazer graves conseqüências a uma minoria ideológica, pacífica e filosoficamente estruturada, que defende nada mais do que o valor "liberdade" em toda a sua extensão.
Inicialmente, o veganismo (embora tenha sido tachado como radical de modo perjotativo) é uma doutrina que prega uma postura ética de não alimentação de carne ou quaisquer derivados animais. Também não se utilizam peles, pêlos, ossos, produtos testados em animais, entre outros.
Gostaria de citar famosa frase de Alice Walker:"Os animais do mundo existem por suas próprias razões. Não foram feitos para os seres humanos, do mesmo modo que os negros não foram feitos para os brancos, nem as mulheres para os homens."(Alice Walker)
Quem é Alice Walker? A escritora ganhadora de um Prêmio Pulitzer. Mais que isso, africana, filha de agricultores, graduada com muito esforço, e autora do mundialmente famoso romance "A Cor Púrpura", obra essencial que retratou a vida dura, pobre, oprimida e sem amor de uma negra sulista norte americana. Portanto, negra e ativista.
Alice Walker sente grande empatia pelos animais e enxerga o paralelo entre as próprias experiências com a discriminação e o modo como os animais são usualmente tratados. Tanto que prefaciou o livro "A terrível semelhança - Escravidão Humana e Animal" (tradução livre do original em inglês, The Dreaded Comparison: Human and Animal Slavery), da escritora Marjorie Spiegel.
Marjorie Spiegel fez esse pequeno porém corajoso livro em 1988 (portanto, há quase 20 anos!) revelando extraordinárias similaridades entre os dois sistemas de opressão (pode ser encontrado em sites como o Amazon, inclusive com acesso às primeiras páginas). Entretanto, não é popular, seguro ou conveniente a divulgação desse tipo de informação e a ameaça ao sistema econômico vigente, baseado em exploração dos animais ditos irracionais por parte dos seres humanos.
Esse livro, aliás, começa com a seguinte citação, proferida em 1776 por Dr. Humphrey Primatt, pastor anglicano: "Dor é dor, independente de ser inflingida ao homem ou ao animal; (...) O Homem branco... não pode ter direito, em razão de sua cor, a escravizar e tiranizar um homem negro... Da mesma forma, o homem não tem direito natural de abusar e atormentar um animal."
Em seguida, ela rebate magistralmente as razões pelas quais não se pode considerar de forma alguma a comparação de especismo com racismo como uma ofensa. Recomendo a leitura.
E a questão, realmente, é apenas essa. Dor é dor. Abuso é abuso.
Também gostaria de citar Martin Luther King, Jr (acredito que dispense apresentações) e sua esposa Coretta Scott King:
"A covardia coloca a questão, 'É seguro?'
O comodismo coloca a questão, 'É popular?'
Mas a consciência coloca a questão, 'É correto?'
E chega uma altura em que temos de tomar uma posição que não é segura,
Não é elegante,
Não é popular,
Mas o temos de fazer porque a nossa consciência nos diz que essa é a atitude correta."
(Martin Luther King Jr, 1929 - 1968)"
Promover os direitos animais seria a próxima extensão lógica da filosofia de não-violência de Martin Luther King, Jr."
(Coretta Scott King - 27 de abril de 1927 - 30 de janeiro de 2006)"
Gosto de lembrar que - embora Marthin Luther King não o fosse - Coretta, por influência de um de seus filhos, adotou o veganismo e o entendia como extensão da luta de seu marido.
Conheço bem a história de Anastácia e conta a tradição que foi forçada a usar a máscara de ferro - tirando-a apenas para se alimentar - por ter se recusado a manter relações sexuais com um senhor de escravos e acabou morrendo pelo abuso. Mas sei também que a máscara de ferro era colocada em homens negros trabalhadores em minas de ouro, para que não roubassem o metal precioso, engolindo-o. O que era isso? Determinismo. Escravos eram tidos preguiçosos e desonestos e era impensável na sociedade da época que se fizesse de outra forma.
Aliás, mesmo os negros alforriados e libertos tiveram seus direitos tolhidos por uma sociedade ainda preconceituosa, como magistralmente retratado nas primeiras cenas do filme brasileiro "Quanto vale ou é por quilo?". Volto a lembrar: na época na escravidão, negros eram vistos como "força trabalhadora". Mas não como seres humanos plenos e merecedores de dignidade. Infelizmente, o comum nem sempre é o normal, o natural e muito menos o justo.
Mesmo os Quilombos eram ilegais e tidos como subversivos e uma ameaça à economia e à ordem pública. Negros fugidos eram recapturados por capitães do mato com a maior violência possível e, quando devolvidos aos seus "donos", eram "disciplinados" e considerava-se restabelecida a ordem. Mas eu não conheço maior símbolo de liberdade que os quilombos e ninguém nega sua importância histórica no processo de abolição.
Entre os autores brasileiros, a filósofa Sônia T. Felipe desenvolveu seu projeto de pós doutorado em Bioética, com recorte específico em Zooética, apoiada pela UFSC. O seu argumento principal é que, na tradição ocidental (diferentes de muitas das tradições orientais, por exemplo) o animal sempre esteve ligado à utilidade para os negócios humanos, considerado como propriedade e nunca como indivíduo. É justamente contra essa idéia que luta o veganismo-abolicionista e é aí que repousa a semelhança e que não pode, de maneira nenhuma, ser encarada como ofensiva.
Há ainda outra frase famosa entre os ativistas:
"Em seu comportamento com os animais, todos os humanos são nazistas".
A conclusão é de Isaac Bashevis Singer, judeu-polonês sobrevivente do nazismo, vegetariano convicto e ganhador do Nobel de Literatura. Escrevia, inclusive, em iídiche. Será que podemos tachá-lo por preconceituoso ou será que sua própria experiência serviu como parâmetro para que conceitos pouco discutidos fossem repensados pelo autor?
Acredito que referida ONG jamais tenha tido acesso aos números dos Centros de Zoonose dos Municípios espalhados pelo Brasil. Acredito que jamais tenha estabelecido um diálogo com ONGs de defesa animal e visto os mais variados abusos sofridos por esses seres (os abandonados e também aqueles com "dono"). Que nunca tenha visto o horror de um teste Draize ou a dor e medo dos animais em um abatedouro. E somente isso, o desconhecimento, pode levar ao medo e a conclusões com essa que vemos na Afropress.
A título de curiosidade, e destacando que esses números se repetem a cada ano:
30 bilhões de animais são mortos por ano para experimentação científica
30 bilhões são mortos para alimentação
400 milhões para caça esportiva120 milhões para a indústria da moda
40 milhões para controle de zoonoses
(números oficiais, divulgados pela Sociedade Vegetariana Brasileira [www.svb.org.br]).
Infelizmente todas essas mortes (salvo raras exceções) são legalizadas, mas entendemos que não são justas. Ao mesmo tempo, não me vem à mente maior símbolo de abuso que a escravidão humana (e também o holocausto). São símbolos universais pela busca da liberdade, inclusive de animais não humanos.O que o site "Holocausto Animal" fez foi apenas usar esses símbolos de luta pela liberdade. Ninguém, em momento algum, "rebaixou" a condição dos seres humanos.
Aliás, a Afropress divulgou que, na foto envolvendo a memória dos negros, o paralelo é feito entre a Santa escrava e "um cão usando focinheira". Peço atenção para esse ponto: de fato, é uma fotografia clara de maus tratos pois o cão está com uma lata de conservas (acredito já tenham visto o interior de uma lata de conservas abertas e constatado como é cortante) enterrada em seu focinho, o que certamente lhe causou muita dor física. Mas quase ninguém percebeu isso e ninguém da ONG discutiu esse fato. É realmente irrelevante que uma comparação seja feita não com um cachorro, mas com um cachorro torturado e outra não com porcos, mas porcos assassinados?
Não sou mundialmente famosa, tenho pouca voz, não dirijo uma ONG, mas faço minha parte na luta contra as mais diversas formas de desigualdade. E defender os direitos dos animais no Brasil - terra da feijoada, do sarapatel, das peixadas, do churrasco, da farra do boi, dos rodeios - certamente não é popular e não é elegante. Mas é necessário.
Somos, inclusive, contrários ao sacrifício de animais, sim (e notamos por acórdão proferido no Rio Grande do Sul em voto do desembargador Araken de Assis que o sacrifício de animais para práticas religiosas acabou mantido a partir de um paralelo feito com o abate para consumo humano. Mas nós somos contra o abate para consumo também, não fazemos distinção). Mas não vamos contra uma religião específica e sim contra uma prática específica (também não somos simpáticos a perus e porcos mortos para a ceia - costumamos sugerir ceia sem carne para as pessoas - e nem por isso vamos contra a comemoração do Natal em si).
Trata-se de um movimento filosificamente estruturado e com defensores diversos, contando com intelectuais, artistas e profissionais de todos os tipos. Há até mesmo a organização "Black Vegetarians", fundada por mulheres negras norte americanas e pode ser consultada no link http://www.blackvegetarians.org/index.htm
Não estamos "humanizando animais"; apenas clamamos para que sejam tratados como animais, como seres vivos, com características próprias, dotados de sensibilidade e até mesmo estrutura familiar, demonstrações de afeto, memória e consciência. Hoje em dia, são tratados como coisas, como propriedade, como objetos de estudo e pedaços de carne.
Entenda-se, não se pode ler "Para os animais, todos os humanos são nazistas" como "Para os vegetarianos, todos os judeus e negros são animais." (inclusive adotando-se "animal" no sentido perjorativo). Essa é uma inversão lógica inadmissível! Assim com tomar a imagem de porcos e cães no sentido perjorativo se a filosofia do grupo que veiculou a imagem certamente não admite essa conotação.
No mais a questão é: por que é um insulto ser comparado a um animal? Que valores são levados em conta ao tomar "animal" como um termo perjorativo? Não somos animais? Nossa racionalidade nos dá poder de bem estar, vida e morte de outros seres ou deveria nos trazer mais responsabilidade e consciência?
As resposta vão indubitavelmente de encontro ao sistema de crenças que eu e diversos outros ativistas combatemos, chamado especismo. Nós já partimos do ponto de vista de que animais não são inferiores. São simplesmente diferentes em muitos pontos, mas semelhantes em outros. E isso por si só desqualifica a representação encaminhada, já que a imagem foi completamente distorcida ao ser retirada do contexto filosófico em que se insere.
Mesmo que não se concorde com esse sistema de idéias, é evidente que não há qualquer apologia à escravidão ou desrespeito.
A medida tomada pela ONG, do meu ponto de vista não é equilibrada. É, sim, discriminatória contra um grupo que luta pela liberdade de animais que perderam o direito até mesmo de serem animais.
Concluindo:
a) imagens de escravos e do holocausto são símbolos de abusos e ao mesmo tempo símbolos de luta pela liberdade;
b) o veganismo é uma orientação filosoficamente estruturada e que luta pela liberdade de uma forma ampla;
c) a imagem foi indevidamente tirada desse contexto filosófico e simbólico;
d) independente de se concordar ou não com o veganismo e "Libertação Animal", a imagem dentro do contexto não pode ser encarada como ofensiva e muito menos como apologia à escravidão.Nesse contexto, é evidente que a comparação com porcos e cães é meramente circunstancial;
e) Entender a imagem de porcos e cães como perjorativa é fruto dos próprios preconceitos e jamais foi a imagem passada pelo site.
VegVida.com.br Links relacionados
Afropress:
Artigo original e links para comentários: http://www.afropress.com/noticias_2.asp?id=1371
Resposta padrão aos comentários contrários: http://www.afropress.com/palavra_do_leitor_2.asp?id=836
Editorial "A Fúria Vegan e o nosso direito": http://www.afropress.com/editorial.asp
Manifestação de Fábio Paiva: http://www.afropress.com/noticias_2.asp?id=1378
Cartazes polêmicos:
Blog de Apoio: http://respeitoatodos.blogspot.com/ [aqui mesmo!]

Sobre a polêmica do Holocausto Animal, por Rafael Bán Jacobsen

Sobre a polêmica do Holocausto Animal

É, no mínimo, emblemático o caso da representação impetrada recentemente pela ONG ABC sem Racismo, baseada em denúncia da Afropress, sobre imagens veiculadas pelo site Holocausto Animal, imagens em que escravos africanos amordaçados aparecem justapostos a cães com focinheira e nas quais, também, judeus aprisionados em campos de concentração aparecem lado a lado com diferentes animais em cenas de confinamento e abate. É emblemático, pois ilustra muito bem dois fatos bastante comuns: o analfabetismo funcional e o egoísmo da dor.

Comecemos pelo segundo. Há uma lei natural do ser humano: a minha dor é sempre a maior dor do mundo. E isso vale tanto individualmente (a minha dor de dente com certeza é mais forte do que a do vizinho) quanto coletivamente. Sendo judeu, cresci acostumado ao eterno sentimento de pesar e dor da comunidade com relação aos antepassados exterminados pelos nazistas no Holocausto. Todos os anos, lembramos e lamentamos o fato, oramos, acendemos velas. A dor de nosso povo é incomensurável. Calculo que, na comunidade negra, o sentimento relativo ao período da escravidão seja análogo. Dessa forma, qualquer um que venha tentar equiparar sua dor à nossa já, de antemão, não costuma ser visto com muita simpatia. Ora, que petulância: imaginar que sofre tanto quanto eu! Pior ainda se esse outro for o que milhares de anos de cultura antropocêntrica vieram a estigmatizar como seres "irracionais" e, portanto, inferiores. Comparar a dor humana com a de animais não-humanos, que petulância! Convém lembrar que tanto o massacre dos judeus quanto a escravidão dos africanos tiveram por base a aceitação desse estigma de inferioridade. Não admitir a existência dessa dimensão que se pode denominar "racionalidade", "alma" ou "psiquismo" nos judeus, nos negros ou nos animais é uma forma de exercício de poder. Se é assim, posso usá-los como bem entender, sem enfrentar dilemas morais. É dessa forma, admitindo a inferioridade, que, por exemplo, instituições como o clero (até suas mais altas esferas, no Vaticano) conviveram tranqüilamente com a opressão dos negros e dos judeus. Por esse mesmo mecanismo, agora, todos nós, indivíduos da espécie humana, convivemos com o uso dos animais para satisfação de nossos interesses (não só convivemos com o uso como o temos como perfeitamente natural, sendo quase impensável um mundo sem isso). A postura humana de colocar suas mais desimportantes preferências (satisfação do paladar, busca por testar um cosmético, vestir uma certa roupa) à frente dos interesses mais fundamentais dos outros animais (não sentir dor, crescer em seu ambiente natural, não ser morto) é o que se convencionou chamar, na filosofia dos direitos animais, de especismo, em analogia com palavras tais como racismo ou sexismo. As imagens veiculadas pelo site Holocausto Animal não são nada mais do que uma ilustração desse conceito: dor é dor, exploração é exploração, humilhação é humilhação, não importando a cor da pele, a etnia, o tamanho do nariz e, por incrível que pareça, nem mesmo a espécie. Chegamos aí na questão do analfabetismo funcional.

Certamente, um desavisado que vá olhar as imagens terá, como primeira reação, o ato reflexo de se sentir ofendido, isso devido ao egoísmo da própria dor e ao desconhecimento do conceito de especismo, temperados pela mentalidade antropocêntrica atávica. É aquilo: o sujeito lê (aqui tem um porco, ali tem um judeu; aqui tem um escravo negro, ali tem um cachorro), mas, por falta de informação, não entende o sentido da mensagem, que é bem mais sutil, avesso a interpretações reducionistas do tipo "estão fazendo pouco da minha dor" ou "estão me chamando de porco".

Aliás, as polêmicas imagens, que, como disse, tentam apenas explicitar o conceito de especismo, estão baseadas em trabalhos de diversos filósofos que se debruçam sobre a questão dos direitos animais. Um dos mais eminentes é o australiano Peter Singer, autor do clássico Libertação Animal, de 1975. Na obra, em diversos trechos, Singer invoca barbáries praticadas por humanos sobre outros grupos de humanos (judeus e africanos, inclusive), estabelecendo um paralelo ilustrativo com o tipo de barbárie que todos nós cometemos contra tantos animais sensíveis e conscientes. Singer, por acaso, é judeu, e seus avós pereceram em campos de concentração. Mas a polêmica comparação não é monopólio de Peter Singer ou do site Holocausto Animal.

Se o sujeito abrir uma novela muito interessante chamada O Penitente, de autoria de Isaac Bashevis Singer, judeu e Prêmio Nobel de Literatura, vai se deparar com o seguinte trecho, em que o narrador, um judeu relapso que decide se voltar à espiritualidade e abandonar as coisas mundanas, tornado-se justo e virtuoso, se questiona sobre a exploração dos animais: "Há muito eu chegara à conclusão que o tratamento do homem para as criaturas de Deus torna ridículos todos os seus ideais e todo o pretenso humanismo. Para que este estufado indivíduo degustasse seu presunto, uma criatura viva teve de ser criada, arrastada para sua morte, esfaqueada, torturada e escaldada em água quente. O homem não dava um segundo de pensamento ao fato de que o porco era feito do mesmo material e que este tinha de pagar com sofrimento e morte para que ele pudesse saborear sua carne. Pensei mais de uma vez que, quando se trata de animais, todo homem é um nazista."

Mais ainda, se alguém resolver ler mais um pouco de boa literatura, pode esbarrar com o livro A Vida dos Animais, do Prêmio Nobel, J.M. Coetzee, no qual se lê o seguinte trecho: "Aparentemente, eu me movimento perfeitamente bem no meio das pessoas, tenho relações perfeitamente normais com elas. É possível, me pergunto, que todas estejam participando de um crime de proporções inimagináveis? Estou fantasiando isso tudo? Devo estar louca! No entanto, todo dia vejo provas disso. As próprias pessoas de quem desconfio produzem provas, exibem as provas para mim, me oferecem. Cadáveres. Fragmentos de corpos que compraram com dinheiro. É como se eu fosse visitar amigos, fizesse algum comentário gentil sobre um abajur da sala, e eles respondessem: 'Bonito, não é? Feito de pele judaico-polonesa, é o que há de melhor, pele de jovens virgens judaico-polonesas.' E aí eu vou ao banheiro, e a embalagem do sabonete diz assim: 'Treblinka – 100% estearato humano'. Será que estou sonhando, pergunto a mim mesma? Que casa é esta? E não estou sonhando, não. (...) Calma, digo para mim mesma, você está fazendo tempestade em um copo d´água. Assim é a vida. Todo mundo se acostuma com isso, por que você não? Por que você não?"

Posso ainda dar um exemplo pessoal. Sou escritor e, recentemente, participei de uma coletânea de contos chamada Ficção de Polpa (Editora Fósforo, 2007), e meu conto, de ficção cinentífica, tem por título "Quando eles chegaram". A história é uma tentativa de resposta a uma velha questão da retórica vegetariana: o que nós humanos pensaríamos e sentiríamos se uma espécie alienígena que se julgue superior invadisse nosso planeta e fizesse conosco tudo o que hoje fazemos com os animais? Qual não foi minha surpresa ao perceber que 80% dos leitores haviam enxergado, no meu trabalho, uma metáfora do holocausto judaico, embora eu não tivesse pensado nisso um segundo sequer ao escrever o texto.

Ou seja: o paralelo entre a escravidão, a exploração e a matança de judeus e negros com a escravidão, a exploração e a matança de animais existe, queira eu, Rafael Bán Jacobsen, ou não, queira a ONG ABC ou não, queira a Afropress ou não, queira o Papa ou não. E ela está por aí, é de domínio público: não pertence ao Holocausto Animal, nem a Peter Singer, nem a Coetzee, nem a Bashevis Singer, nem a mim (a rigor, a polêmica campanha do Holocausto Animal nada mais é do que uma simples tradução de uma conhecidíssima campanha do Peta – People for Ethical Treatment of Animals). Na dúvida, pelo bem da justiça, todos devem ser processados, não apenas um certo site tupiniquim, fazendo as vezes de bode expiatório. Sejamos coerentes. Processemos o Peta. Processemos Peter Singer. Processemos Coetzee. Processemos Bashevis Singer. Não, esse não, esse já morreu. Processemos então a Academia Sueca, por ter prestigiado esses dois últimos pusilânimes preconceituosos com o Prêmio Nobel. Processemos Rafael Bán Jacobsen, por acreditar que o paralelo existe e por, apesar de ser judeu, não se sentir violentado pela comparação (sente-se violentado, sim, por um grupo de pessoas de quem nunca ouviu falar se dar o direito de se posicionar por ele e dizer "nós judeus estamos ofendidos"). Processemos o inconsciente coletivo.

Antes disso, porém, recomendo que todos leiam Peter Singer, leiam Coetzee, leiam Bashevis Singer. A leitura é redentora. A leitura engrandece e diminui a ocorrência de interpretações errôneas e sem sentido maior do que aquele ditado pelo nosso egoísmo, nossa ignorância e nossa prepotência.

É a esse ponto que nossa racionalidade nos conduziu: duas guerras mundiais, devastação ambiental, crescimento populacional desenfreado, aquecimento global e até mesmo peleja de ONGs que, no fundo, lutam pelos mesmos ideais – justiça, igualdade e não-violência.

Pobres animais, que não podem reclamar de serem comparados conosco.

Pobres de todos nós, que festejamos nossa racionalidade enquanto o mundo desaba sobre nossas cabeças.

Que a paz esteja conosco – se ainda houver lugar para ela!

Shalom aleichem,

Rafael Bán Jacobsen

(Escritor, físico nuclear, professor, pianista, judeu e, por acaso, vegano)

Porto Alegre, 28 de outubro de 2007

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Rafael Bán Jacobsen é coordenador da SVB-POA

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Carta aberta de George Guiamarães (VEDDAS) aos ablicionistas em geral


Carta aberta a dois movimentos abolicionistas: negro e pelos direitos animais

George Guimarães, VEDDAS – Vegetarianismo Ético, Defesa dos Direitos Animais e Sociedade

28/10/2007


Primeiro eles vieram atrás dos comunistas, mas eu não era um comunista, por isso eu não falei em favor deles.
Depois eles vieram atrás dos socialistas e dos sindicalistas, mas eu não era um deles, por isso eu não falei em favor deles.
Depois eles vieram atrás dos judeus, mas eu não era um judeu e por isso eu não falei em favor deles.
E quando eles vieram atrás de mim, não havia mais ninguém para falar em meu favor.

- Poema do pastor alemão Martin Niemoller (1892-1984) sobre a inatividade dos intelectuais alemães enquanto observavam o partido nazista ascender ao poder e eliminar cada um dos grupos que se contrapunha ao regime nazista.


Dos fatos
A última semana trouxe uma notícia que causou a mobilização de alguns representantes dos movimentos negro e pelos direitos animais. O texto que deu início à polêmica foi publicado no dia 21/10/2007 em
http://www.afropress.com/noticias_2.asp?id=1371 e relata uma denúncia feita ao Ministério Público de São Paulo contra um grupo de defesa animal que publicou a imagem da escrava Anastácia ao lado da imagem de um cão submetido à crueldade humana.

No dia 26/10/2007 foi publicado na mesma agência de notícias, mantida pela ONG denunciante, um editorial com o título “A fúria vegan e o nosso direito” no qual se lê uma generalização entre a imagem considerada ofensiva pela ONG denunciante e todo o movimento pelos direitos animais. Sobre o teor do referido editorial (que pode ser lido em
http://www.afropress.com/editorial.asp com cópia em www.veddas.org.br/editorialafropress.htm ) eu comento mais adiante na presente carta. Por hora, relato que foi após a publicação do referido editorial que pude perceber o teor que estava tomando a queixa movida por representantes do movimento negro,, configurando uma enorme extrapolação dos fatos.

Reflexão e o verdadeiro paralelo
Será que há um humano que não se choque ao ver fotos como as dos campos de concentrações nazistas ou a da escrava Anastácia submetida ao uso de uma máscara de ferro? Eu duvido que haja quem possa ser indiferente a essas imagens, mas talvez eu apenas esteja sendo ingênuo. O que eu posso afirmar ao certo sem incorrer no risco de estar sendo ingênuo é que os ativistas pelos direitos animais não olham para estas imagens com indiferença. E, se alguns grupos escolhem usar estas imagens para traçar um paralelo aos abusos cometidos contra os animais não-humanos, não o estão fazendo para minorar a relevância da tortura e da violação que essas imagens de negros e judeus representam. Eles o fazem porque entendem que a dor e a miséria vivida pelos animais na nossa sociedade é imensa, e o uso desse paralelo busca resgatar na mente coletiva a informação de total repúdio às atrocidades da escravidão e do holocausto nazista e assim convidar as pessoas a refletirem sobre o holocausto diário que vivem os animais não-humanos que a nossa sociedade subjuga da mesma maneira que antes já subjugou outras etnias e religiões manifestas dentro da nossa própria espécie. Portanto, a comparação não é pejorativa, haja vista que não compara os diferentes seres ali retratados, mas sim o sofrimento e a injustiça a que ambos foram e continuarão sendo submetidos até que uma parcela representativa da sociedade tome para si a luta que é, na verdade, uma luta em benefício do outro que tem representação minoritária (negros, judeus, mulheres, índios, homossexuais, crianças, animais). Assim foi o caso da emancipação dos negros, assim será o caso da libertação animal.

A comparação que está sendo debatida atualmente tem o objetivo de condenar ambas as situações, considerando uma injustiça como sendo tão inquestionável quanto a outra. Se para a pessoa comum as imagens do holocausto nazista e da escravidão dos negros representam atrocidades e injustiças, para um ativista pelos direitos animais as imagens de açougues e frigoríficos representam um sentimento semelhante de dor e injustiça. Ainda que não possamos comparar os sentimentos de dor e sofrimento, mesmo entre indivíduos da mesma espécie, é prudente refletir que a insensibilidade ao sofrimento alheio e a desconexão com o meio natural são os desvios essenciais que levam alguns (na verdade, muitos) seres humanos a cometerem atos de indiferença contra animais humanos e não-humanos igualmente. A injustiça é o elo comum que une em seu flagelo os membros dessas diferentes espécies: a humana e a não-humana.

O movimento que luta pela abolição da exploração animal surgiu após os tristes episódios da nossa civilização que fizeram vítimas os negros e os judeus. E é justamente por causa dessa cronologia que o movimento em defesa dos direitos animais teve muito que aprender com as lutas árduas de movimentos vitoriosos que o precederam.

Observando outros movimentos de justiça social nós do movimento pelos direitos animais podemos aprender muito sobre a perversidade, a indiferença e a ganância humanas e os mecanismos que as fazem operar e também os que as desestabilizam. A perversidade dos que cometem as atrocidades, a indiferença dos que nada fazem para combatê-las e a ganância dos que lucram com elas. Estes são aspectos comuns em diferentes formas de exploração animal, humana e não-humana. A indignação que estes movimentos experimentam também é comum, sejam eles os movimentos pelos direitos das mulheres, direitos das crianças, direitos dos negros, direitos humanos ou direitos animais. Todos têm a mesma motivação e todos querem a mesma coisa: justiça. Justiça para as vítimas da opressão, independente de etnia, religião ou espécie. Por termos aprendido tanto observando os vilões e heróis de movimentos que nos antecederam, é inconcebível a idéia de que um ativista pelos direitos animais pretenda minorar o martírio das vítimas de atrocidades históricas como a escravidão e o holocausto nazista, pois ele enxerga não apenas o martírio já claro para o senso comum. Ele vai além e estende essa percepção também aos animais não-humanos.

Insisto em dizer que a comparação de negros a cães e judeus a porcos não foi o intuito do grupo que fez uso da comparação de imagens das vítimas das atrocidades contra negros e judeus com as imagens das atrocidades cometidas contra animais não-humanos. Se algum grupo se sentiu ofendido, foi porque não entendeu a mensagem, que era na verdade a de comparar duas formas de injustiça, ambas inaceitáveis, ambas condenáveis. O grupo que se sentiu ofendido poderia ter convidado os responsáveis a dialogar e certamente teriam chegado a um entendimento. Ao contrário, a via escolhida foi a das conclusões precipitadas e não a do entendimento, o que de fato me surpreendeu, pois eu não esperava que uma parcela tão representativa e com tamanho conhecimento sobre o que é a discriminação e sobre a importância do diálogo agisse desta maneira precipitada sem antes buscar entender qual era de fato a mensagem. Uma breve pesquisa teria revelado que tal comparação é largamente utilizada por prêmios Nobel, filósofos e sobreviventes do holocausto nazista, entre outros. Os livros The Dreaded Comparison e Eternal Treblinka são dois exemplos de obras que exploram a comparação como meio de sensibilização para ambas as causas, sem com isso minorar qualquer uma delas.

Aos nossos ativistas
Mas já tendo sido o fato agora levado para o âmbito de uma disputa judicial e seguido por ataques editoriais em um website representativo do movimento negro, o que devemos fazer? Eu ainda acredito na via do diálogo. É importante que os ativistas pelos direitos animais não percam o foco na discussão. Estamos falando de um mal-entendido? Então o assunto deve ser tratado como tal? Quando chamamos um pecuarista de assassino, será que ele entenderá que o estamos acusando de ter assassinado um humano? Talvez ele entenda assim, pois se não contextualizar, jamais entenderá que estamos nos referindo à morte (ou o assassinato) de um boi. Ele simplesmente não entenderá o que pretendíamos dizer com isso, pois para ele o ato de matar um boi é algo natural. Da mesma maneira que alguns senhores de escravos entendiam ser natural o tratamento que davam à sua “propriedade”. E o que esperaríamos que ele fizesse? Que antes de nos denunciar por calúnia, ele buscasse entender o que estávamos dizendo, certo? Afinal, se o dissemos, esperamos que ele escute da maneira e com a intenção que dissemos, do contrário não haveria propósito em tê-lo dito. Quando uma indústria acusa ativistas da frente de libertação animal de criminosos, o que queremos que a sociedade entenda? Queremos que ela entenda o que motivou aqueles ativistas a cometerem atos considerados como criminosos pelo sistema vigente, para que assim, talvez, as pessoas possam entender o real sentido da ação que realizaram.

Diálogo. É isto o que desejamos entre o nosso movimento e a sociedade, pois sem ele a mensagem se perde. O mesmo é o que devemos desejar entre o nosso movimento e os outros movimentos, em especial aqueles que têm tantos aspectos comuns com a nossa luta, como é o caso do movimento negro. Atitudes como a da ativista citada no início do editorial publicado em 16/10/2007 pela agência de notícias Afropress não são de forma alguma consoantes com o pensamento dos integrantes do movimento pelos direitos animais. Aproveito para registrar aqui o meu repúdio ao comentário por ela enviado à referida agência de notícias.

Posso afirmar que esta não é a norma em nenhuma das alas do nosso movimento. O que se lê na fala dela é uma ameaça pura e simples, sem qualquer pretensão de diálogo ou entendimento. Se desejarmos partir do princípio de que houve um erro de interpretação por parte de alguns representantes do movimento negro, a única coisa a se fazer é mostrar o que as imagens, a nosso ver, representavam. Depois disso, devemos procurar entender o motivo da ofensa da outra parte e estarmos dispostos a desculparmos-nos publicamente se for esse o caso. Este tem sido o teor predominante nas mensagens enviadas à Afropress às quais eu tenho tido acesso por meio de cópias enviadas a mim. Na verdade, posso dizer que nenhuma das mensagens que recebi trazia o tom ameaçador da mensagem que foi escolhida pela Afropress para dar o tom do seu editorial e seguir adiante comparando o nosso movimento a um movimento fascista e totalitário. Todas as mensagens das quais eu recebi cópia buscavam o entendimento, o que devo dizer muito me alegrou ao ver nelas refletida a maturidade que atingimos ao longo dos últimos anos.

Objetivos comuns e união
Ainda que a agência tenha recebido a mensagem no tom referido em seu editorial, estou certo de que essa não foi representativa da maioria das mensagens recebidas. Sobre isto, devo confessar que fiquei intrigado sobre o que pretendiam os jornalistas que elegeram justamente a mensagem em tom ameaçador para dar o tom do seu editorial. Mas continuo otimista e convicto da possibilidade do diálogo. Na verdade, não consigo conceber a idéia de que possa haver alguma divergência entre os dois movimentos (o movimento negro e o movimento pelos direitos animais), salvo algumas questões pontuais como os ritos que fazem uso do sacrifício de animais.

No que diz respeito ao combate ao preconceito e à injustiça (sejam estes na forma do racismo ou do especismo), não vejo motivo para divergirmos. Na verdade, não há uma referência mais comumente utilizada no movimento pelos direitos animais do que a referência ao movimento pela abolição da escravatura. Este nos serve como uma lição de rico aprendizado, um exemplo e um símbolo da possibilidade da vitória de parcelas minoritárias contra a ignorância e a conseqüente modificação do status quo. Tamanha é a nossa proximidade com os ideais do movimento negro que a palavra que usamos para designar a ala mais avançada e coerente do nosso movimento foi emprestada justamente do movimento negro: abolicionistas é a palavra.

Enquanto abolicionistas e anti-especistas inevitavelmente compactuamos com a luta anti-racista e, portanto, não consideramos e nem desejamos considerar o movimento negro como um movimento inimigo. Sabemos que tanto o movimento negro quanto o movimento pelos direitos animais têm questões importantes que urgem pela nossa atenção. Todas as formas de injustiça são questões urgentes e para combatê-las precisamos dedicar toda a nossa energia àquilo que de fato importa. Se os integrantes desses dois movimentos precisarem debater, que seja para chegarmos a soluções conjuntas sobre as questões comuns às quais combatemos, e não para criarmos e alargarmos atritos que podem ser resolvidos por via de um diálogo claro e direto.

Brigas e disputas por questões pequenas só fazem atrasar a luta pela abolição de todas as formas de opressão quem perde com não são os ativistas nem de um e nem e outro movimento, quem perde são os inocentes que contam conosco para a sua defesa. Eu proponho que este incidente que eu insisto em querer crer que foi apenas um mal-entendido possa nos servir como oportunidade para conhecermos melhor uns aos outros. Eu tenho a certeza de que a parcela mais representativa do nosso movimento está disposta ao diálogo e ao entendimento e é capaz de apreciar as vantagens mútuas que surgiriam da união de nossas forças. Os resquícios da longa história de opressão vivida pelos negros podem estar impondo um distanciamento da possibilidade de entender a nossa mensagem e compreender os nossos objetivos. É justamente nos nossos objetivos que está a nossa igualdade e é nas nossas diferenças que estão as nossas possibilidades de aproximação. A própria possibilidade dessas diferenças co-existirem entremeadas aos nossos objetivos semelhantes já nos mostra que os nossos movimentos têm muito que aprender um com o outro. As nossas oportunidades de aprendizado com o movimento negro certamente têm sido muitas e esperamos poder retribuí-los por isso.

George Guimarães

nutriveg@terra.com.br

VEDDAS – Vegetarianismo Ético, Defesa dos direitos Animais e Sociedade
www.veddas.org.br
veddas@veddas.org.br

Essa carta texto também está disponível em
www.veddas.org.br/cartaaomovimentonegro.htm
__._,_.___

Você está no grupo HOLOCAUSTO ANIMAL.
Pessoas comprometidas com a Libertação Total dos Animais.
Acesse:http://www.holocaustoanimal.org/
http://holocaustoanimalbrazil.blogspot.com/
http://ubbibr.fotolog.com/holocaustoanimal/

domingo, 28 de outubro de 2007

Martha Follain me pediu para postar este comentário:

Fábio,
Você tem todo o meu apoio. Você é, e sempre foi uma pessoa, que prima pela gentileza e educação.E, quem é anti-especista, também é contra o racismo, o sexismo, etc.
Os dirigentes dessa ONG que estão lhe acusando, muito provavelmente, estão equivocados quanto ao significado dos termos - especismo, holocausto, etc, o que foi brilhantemente explicado pela amiga Drª Denise Grecco Valente.
Espero que a situação seja resolvida brevemente e, deixo aqui minha tristeza com o fato.
Fábio, muita força para você!
Abs,
Martha Follain.


O Grupo “Pelo Fim do Holocausto Animal”, aqui representado na figura de seu responsável, torna público seus esclarecimentos a respeito das acusações que lhe foram impostas:
1. Os princípios do Grupo Holocausto Animal não são frutos de uma teoria pessoal, mas de várias entidades e pessoas ao redor do mundo, que comungam dos mesmos anseios – Liberdade para os Animais! Nosso grupo é formado por pessoas de diferentes classes sociais, etnias, credos e religiões.
2. Este ideal deixa claro que somos “Abolicionistas” assim como foram aqueles que lutaram pela liberdade ao longo da história.
3. Jamais poderíamos ter sido acusados de fazer apologia ao racismo. O repúdio aos nossos ideais é uma visão estreita e mesquinha daqueles que não entendem o significado do termo Especismo.
4. Quando das afirmações em se comparar negros a cães e judeus a porcos, são totalmente equivocadas e infundadas. A comparação que queremos mostrar é a do SOFRIMENTO, que na nossa compreensão é igual entre humanos e animais. Os animais são capazes de sofrer, assim como os brancos, negros, judeus, orientais, não importando a etnia. Todo ser vivo é passível sofrimento.
5. Nunca tivemos a intenção de ofender a memória de quem quer que seja. Ao contrário, se fazemos alusão à escravidão e ao holocausto, mantemos em pauta os nefastos acontecimentos da história da humanidade que jamais devem ser esquecidos para que não se repitam, assim como fazem os judeus mantendo o museu do Holocausto.
6. Repudiamos toda forma de opressão aos seres humanos e animais. A voz da nossa consciência grita todos os dias em nossos ouvidos de que estamos no caminho certo. O caminho da paz e igualdade entre as espécies. Desculpem-nos aqueles que não são capazes de entender a nossa mensagem.
7. Reiteramos nossos anseios por um mundo melhor, com uma convivência pacífica entre humanos e não-humanos.
Fábio Paiva
PELO FIM DO ESPECISMO

From: mfollain

To: libertacaoanimal@yahoogrupos.com.br

Fábio, Silas e amigos,

O termo "especismo" foi criado por Richard D. Ryder, (filósofo , psicólogo clínico do Hospital Warneford, em Oxford ), em 1970, e, usado por ele, pela primeira vez, em seu livro “Vítimas da Ciência”, publicado em 1975.

Nas palavras de Ryder, o termo especismo é usado “... para descrever a discriminação generalizada, praticada pelo homem contra outras espécies, para estabelecer um paralelo com o racismo. Especismo e racismo são formas de preconceito que se baseiam em aparências. Se o outro indivíduo tem um aspecto diferente deixa de ser aceito do ponto de vista moral. O racismo é hoje, condenado pela maioria das pessoas inteligentes e compassivas e, parece simplesmente lógico que tais pessoas estendam também para outras espécies a inquietação que sentem por outras raças. Especismo, racismo (e até mesmo sexismo) não levam em conta ou subestimam as semelhanças entre o discriminador e aqueles a quem este discrimina. Ambas as formas de preconceito expressam um desprezo egoísta pelos interesses de outros e por seu sofrimento”.

E, eu pergunto:

Como o Fábio Paiva poderia estar sendo considerado "racista"?

Abs,

Martha Follain.

sábado, 27 de outubro de 2007

Respeito a Todos os Seres !

No dia 21/10/2007 o grupo anti-racista Afropress entrou com um pedido de investigação de crime de racismo contra a ONG Holocausto Animal. Isto deve ter acontecido por não terem compreendido o teor do site e a proposta libertária da ONG Holocausto que na realidade vai ai encontro da mesma proposta do grupo anti-racista. A Afropress sentiu-se ofendida devido o grupo mostrar uma imagem da escrava Anastácia. A Afropress apresenta alguns depoimentos, mas não apresenta várias cartas que tem recebido de representantes e simpatizantes do movimento abolicionista animal e por isto este blog.

Para nós que somos contra a exploração animal há sim uma analogia entre o mecanismo cultural que permitiu a escravidão dos negros e mesmo a exploração e genocídio de outras minorias e por isto o grupo apresenta as imagens questionadas. Se utilizam a palavra holocausto é para mostrar que há uma semelhança na força social que permite que se escravize, torture seres humanos assim como a força social invisível que atua sobre as sociedades ocidentais que permite que se naturalize o sacrifício e tortura animal. Como socióloga imagino que seja esta mesma força que impede que muitas pessoas vejam nas violências que cometemos contra os animais algo cruel e que deve ser evitado. Aliás, hoje é crime grave os maus tratos para com os animais e passível de prisão conforme a legislação brasileira. A sociedade vive ainda uma transição entre o hábito de fazer sofrer aos animais para usufruto humano (muitas vezes por razões fúteis) e leis que já entendem o sofrimento animal feito pelo homem como crime e ainda sem condições de administrar isto juridicamente e mesmo sócio-psicologicamente. Por isto existem movimentos como o Holocausto animal que quer possibilitar o despertar da sociedade para a realidade da violência para com os animais como já despertou para o absurdo do racismo e toda discriminação. Muitas pessoas ativistas pela defesa dos animais são também ativistas pelos direitos humanos. Partimos do princípio que somos todos animais, mas devido à nossa complexidade cultural, tecnológica e de inteligência caberia a nós proteger e respeitar a TODOS OS SERES E A NATUREZA! Partimos do princípio de que a natureza e os animais não existem para nos servir e que devemos respeitá-los por valor intrínseco.

Por isto este blog, para apresentarmos à sociedade o que pensamos, para que não sejamos mais confundidos com racistas o que muito nos ofende e avilta. Eu pessoalmente sou ativista também pelos direitos humanos, participante da Anistia Internacional no Brasil enquanto esta estava ativa aqui no Brasil justamente por sua luta contra a discriminação, por defender aquelas pessoas que eram discriminadas por razões de raça, credo, sexo, orientação sexual, gênero ou quaisquer questões de consciência e muito nos ofende sermos considerados racistas ou preconceituosos em relação a qualquer grupo. Fui também ativista pelas cotas para negros na universidade por entender que a sociedade ainda tem mecanismos discriminatórios importantes que impedem que os negros (e outras minorias excluídas) tenham acesso aos mesmos postos de trabalho e de estudo como lhe garante a lei devido à mentalidade racista e discriminatória que ainda vigora no Brasil. (Não vou me estender aqui, porque a idéia é expor a proposta daqueles que querem acabar com a exploração e sofrimentos dos animais e mostrar como isto não é racista e contrário a outras propostas libertárias de minorias).Na realidade eu apoio o movimento negro e todos os movimentos anti-preconceito. Também me oponho ao preconceito, mesmo se viesse de vegetarianos e veganos e se escrevo isto é porque sei que há um equívoco ao interpretar a proposta do Holocausto Animal como racismo.

Somos é contra qualquer preconceito, a exploração, arbitrariedade e discriminação, mas estendemos nosso conceito de respeito também aos animais a quem queremos libertar e a quem não queríamos mais ver explorados pelo ser humano. Queremos que sejam tratados com respeito e que pudessem usufruir a vida para viver em liberdade também. Também cabe ressaltar que não comparamos negros, judeus ou qualquer grupo com animais e tampouco comparamos sofrimentos, mas não queremos nenhuma crueldade, mesmo com os animais. Nossa comparação se dá quanto aos mecanismos que permitem que se cometa a violência contra aqueles que não podem se defender como aconteceu e infelizmente ainda acontece com todos que não têm voz para se defender. Nossa proposta é de respeito às diferenças e contrária à violência concreta ou simbólica causada devido qualquer tipo de discriminação de raça, credo, gênero, orientação sexual, casta ou grupo social ou qualquer questão de consciência. Opomo-nos sim aos racistas, aos nazistas e neonazistas, aos revisionistas históricos que negam a violência para com os judeus, nos opomos aos grupos que agridem de qualquer forma os homossexuais e quaisquer minorias.

Hoje somos uma minoria também, mas ainda não somos vistos como tal em termos constitucionais, e também pedimos respeito e solidariedade da sociedade e gostaríamos de estender a nossa solidariedade a todas as minorias (humanas e não humanas). Sim, somos uma minoria, já que nosso desejo de não participar da violência para com os animais não é respeitado, já que não há ainda uma mentalidade que nos permita evitar alimentos, roupas e mesmo medicamentos que vão ao encontro de algo que é tão importante para nós que é o respeito para com toda a vida. (Aliás, estes são os termos da lei do meio ambiente que determina que se proteja toda a vida!). Muitos de nós são vegetarianos e veganos pelas questões de cunho ético aqui apontadas para com os animais, mas muitas vezes somos alvos de piadas e desrespeito, mas ainda não temos espaço de defesa e agora fomos até confundidos com racistas.

Como socióloga posso entender que a sociedade demore algum tempo para assimilar um novo paradigma que é o paradigma anti-especista que é a proposta de todos que querem garantir às outras espécies de animais respeito nas diferentes formas e espécies que existem. Não achamos que ser animal é algo ofensivo ou de menos valor, animais tem um valor próprio e não são meros objetos dos seres humanos. Queremos pedir a eles respeito e solidariedade e se possível que seja cumprida a lei que considera crime os maus tratos para com os animais e que todos possam ver a forma cruel a que são submetidos os animais . A palavra especismo é o sinal deste novo paradigma como foi um dia a criação da palavra racismo, sexismo, feminismo e ambientalismo. São palavras que mostraram, à medida que foram criadas, outras mentalidades que se abriam contra a arbitrariedade e preconceito. Agora queremos apresentar ao mundo o quanto a mentalidade especista contém de violência, crueldade e injustiça e queremos outra sociedade sem esta violência e injustiça para com todos os seres! Queremos uma moral que agregue aos valores acumulados pela sociedade como liberdade, igualdade, justiça, direito às diferenças e outros também a compreensão de uma natureza, com a fauna e a flora livres da exploração e dominação humana.
É preciso lembrar ainda que há no grupo Holocausto e simpatizantes vários representantes destas minorias. Há entre nós, negros, judeus, mulheres, homossexuais, “estrangeiros-brasileiros” e representantes de várias minorias discriminadas. Somos favoráveis às causas destas destas minorias, dos negros, dos judeus, mas defendemos também os animais da barbárie a que têm sido submetidos.

Lamentamos que algumas pessoas do grupo Afropress tenham entendido mal nossa proposta e não tenham percebido que nunca tivemos intenção de ofender, ao contrário somos solidários na luta contra o preconceito. Na realidade deveríamos estar somando forças contra toda e qualquer discriminação e não gerar mais divisão de forças contra as estruturas dominantes da sociedade que impõem ainda estas arbitrariedades e injustiças. Não estamos contra negros ou quaisquer minorias, estamos ao lado das minorias e daqueles que não têm voz como é o caso dos animais a quem queremos estender nossa solidariedade. Na causa vegan e vegetariana também não somos homogêneos, como ocorre com outros movimentos e há algumas diferenças de enfoques, mas somos contrários ao preconceito, mesmo se for manifestado por um vegetariano ou vegano e apoiamos o movimento negro. Gostaríamos que o grupo Afropress soubesse que na realidade somos solidários à causa anti-racial que abraçam. Opomo-nos ao preconceito e à violência racial e qualquer forma de discriminação; apenas estendemos nossa solidariedade aos animais que são cruelmente explorados pelos seres humanos.
Este blog é para tratar disto. Comentários serão moderados e não podem conter palavras ofensivas e nenhuma forma de desrespeito para com qualquer grupo (de animais ou humanos). É para que possam entender nossa proposta libertária, nosso desejo de acabar com o preconceito, a discriminação e a violência para com todos os seres. Queremos paz, justiça e respeito para com todos os seres e mesmo para com a natureza, não somente para as futuras gerações de seres humanos, mas pelo seu valor intrínseco.

Eliane Carmanim Lima, 27/10/2007.

Sou psicóloga, socióloga, pesquisadora da UFRGS, também ativista em direitos humanos, ex-membro da Anistia Internacional quando ativo no Brasil e participei da campanha pelas cotas na UFRGS.